06 fevereiro 2007

Mais jovens, "agarrados" à droga e sem família

Céu Neves Rodrigo Cabrita


Um vão de escada, uma viatura abandonada, um canto do jardim, um aeroporto, uma estação de comboio. Tudo serve para passar uma noite, tantas vezes quanto as dependências, a falta da saúde, o desemprego e os conflitos familiares impedirem a realização de um projecto de vida. Em Portugal, os sem-abrigo não ultrapassam os três mil. Deixaram de ser a imagem do velhinho de barbas brancas, para ser alguém mais jovem, precocemente envelhecido, e que tem um problema de toxicodependência.A constatação é feita pelos técnicos da assistência social e confirmada pelo levantamento feito pelo Instituto de Segurança Social (ISS), Estudo dos Sem-Abrigo, publicado em 2006. Uma primeira conclusão é que quase um terço desta população vive na rua há mais de cinco anos, o que quer dizer que "vão acumulando handicaps, multiplicando processos de estigmatização e de exclusão social ou reforçando fragilidades".Os indivíduos com menos de 29 anos surgem mais associados à toxicodependência e aos conflitos familiares, os que têm entre 30 e 39 anos estão mais sujeitos ao desemprego, os grupos dos 40 aos 59 anos revelam mais problemas de alcoolismo e de divórcio, e a partir dos 60 é a doença física e mental e as dívidas com as rendas que mais os afectam. A rua é dominada pelos homens, e as mulheres encontradas são as mais idosas.Julieta Martins, técnica da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa responsável por esta população, destaca o afluxo de jovens e a diminuição do número de imigrantes, sobretudo os do Leste europeu. "Os toxicodependentes são mais problemáticos. Saem da casa porque entraram em conflito com a família e outras vezes são convidados a sair porque os familiares já fizeram tudo para os tentar recuperar e não o conseguiram." Aquela é uma população que não se fixa. Podem deambular pelos Anjos e Almirante Reis durante o dia e dormir nas arcadas do Terreiro do paço ou na Baixa/Chiado. Isto na cidade de Lisboa, onde há mais de 30 equipas de rua para apoiar as cerca de mil sem-abrigo da capital, segundo dados da Câmara Municipal de Lisboa. Os centros de acolhimento nocturnos têm 700 camas.O número dos sem-abrigo difere consoante o organismo que recolhe os dados. As câmaras municipais indicam 2242 pessoas, enquanto que as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) identificam 8718 indivíduos. A diferença substancial é explicada pelo facto de as IPSS indicarem as pessoas com casa e que dormem esporadicamente na rua por pressão da família (2173), por problemas de foro psiquiátrico ou dependências (736) ou que são incapazes de manter o alojamento sem a ajuda dos serviços sociais (1270).Mais de metade dos sem-abrigo (55%) não tiveram contacto com instituições, o que leva os autores do estudo a tecer críticas à forma como o apoio social está organizado, recomendando que seja criado um plano de trabalho em rede. E sublinham: "A complexidade e a heterogeneidade desta problemática aliam-se à insuficiência e desadequação das políticas sociais, não permitindo combater e, muito menos, promover uma intervenção social preventiva sob a mesma." Os serviços de acção social actuais estão preparados para lidar com situações de pobreza clássica, mostrando-se pouco adequados para responder às características dos "novos sem-abrigo".

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