11 fevereiro 2007
Mãe acusa tribunal de lhe retirar filhas só "por ser pobre"
Nuno Miguel Ropio
Isabel Silva, 31 anos, ficou sem as duas filhas porque não tem dinheiro para fazer uma casa de banho.
Nuno Miguel Ropio
"Em que país estamos nós quando um juiz acha que os bens materiais são mais importantes do que o amor e a preocupação pelas minhas meninas?".
Isabel Silva, 31 anos, não se conforma com o facto de o Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira lhe ter mandado retirar, há cerca de duas semanas, as duas filhas menores. Daniela e Bruna, de 9 e 3 anos, foram entregues aos cuidados do Lar de Santo António, em Santarém. Falta de condições na pequena casa de família, em Foros de Salvaterra (Salvaterra de Magos), relatadas pela Comissão de Protecção de Menores e Jovens, esteve na origem da sentença decretada.No dia 19 de Janeiro, pelas 16 horas, Isabel Silva não teve sequer oportunidade de se despedir das suas filhas. Enquanto a trabalhadora rural estava numa reunião no Instituto de Reinserção Social de Alverca do Ribatejo - para onde tinha sido convocada -, a 50 quilómetros dali, a GNR invadia o pavilhão da colectividade de Foros de Salvaterra e, em plena aula de ginástica, levava a Daniela. Os gritos e a revolta da menina não passaram despercebidos aos colegas e funcionários. Minutos depois, era a vez da pequena Bruna ser arrancada dos braços da bisavó. "A minha avó diz que pediu para lhe vestir uma camisolinha e que eles nem a deixaram aproximar-se", conta Isabel, desolada.Desde 2002 que a família era acompanhada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Salvaterra de Magos, devido ao elevado grau de pobreza e ao mau estado da habitação. A mãe terá prometido às técnicas da CPCJ que realizaria as obras necessárias, mas tal não aconteceu até ao prazo concedido, terminado em Novembro de 2006."Trabalho na apanha do tomate. Depois fico uns meses em casa, desempregada, e não tenho o dinheiro para fazer a casa de banho e a canalização que me pedem", admite a mulher, que vive há seis meses com Danny Wils, um cidadão belga que conheceu há 13 anos. "A casa onde habita não tem água canalizada, nem casa de banho, nem portas interiores e a electricidade provém de puxada da casa dos pais (…), a disponibilidade materna relativamente aos compromissos não permite grandes esperanças (…), o acolhimento institucional é a medida proposta", fundamenta o despacho da Comarca de Vila Franca, a que o JN teve acesso. Contudo, como o JN constatou, trata-se de uma casa pobre, como tantas outras que existem em zonas rurais e nas periferias das cidades. Segundo Dulce Ortiz, advogada que representa a mãe, à excepção das más condições da habitação, não existem relatos de maus-tratos às menores. "As crianças não apresentam indícios de serem agredidas ou mal alimentadas. São pobres, mas por este país fora há pessoas em condições muito piores e não é por isso que se lhe tiram os filhos", justifica a advogada e presidente da Assembleia Municipal de Santarém, que já interpôs recurso da sentença. "Pedi que me dessem uma casa, mas disseram-me que em Salvaterra só agora é que vai ser construída habitação social. Mas nunca deixámos de tomar banho todos os dias, num alguidar", confessa, revoltada, Isabel Silva. As visitas ao Lar de Santo António estão condicionadas ao autocarro, que só passa por Foros duas vezes por dia. Emília Rufino, directora do Lar de Santo António, garante que as duas meninas já se integraram no quotidiano da instituição. "Não questionamos as decisões nem nunca vamos buscar ninguém. Quando aparecem as crianças damos todo o apoio necessário para o seu desenvolvimento", clarifica. "Em princípio, a pobreza não será uma razão para institucionalizar crianças. A não ser quando a falta extrema de dinheiro coloca em risco um menor, ao ponto de estar subnutrido ou, noutro exemplo, quando essa falta o coíbe de frequentar a escola". Esta é a opinião de Guilherme de Oliveira, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e presidente do Centro de Direito da Família, associação fundada há 10 anos, que se dedica ao estudo deste tema. O especialista defende que, em casos de exclusiva pobreza, "deveriam existir alternativas à institucionalização". "Afastando situações de negligência, terá de se questionar se o valor disponibilizado às instituições pelo recolhimento dessas crianças, não poderia ser aplicado num apoio à família, de modo a não afastar as crianças dos progenitores", disse, sem querer comentar o caso de Daniela e Bruna. Ao JN, a presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Salvaterra de Magos, Maria Helena Monteiro, recusou-se a justificar o teor dos pareceres elaborados pela equipa técnica que incidem, essencialmente, na falta de condições da habitação. "As coisas quando são observadas não se pode ignorá-las ou, simplesmente, ocultá-las. Tem de ser referir tudo para uma melhor compreensão da realidade descrita", limitou-se a dizer, remetendo outras explicações "para as entidades competentes". Lília Borges, a psicóloga que, neste momento, apoia Daniela e Bruna no lar de acolhimento, disse que "as menores chegaram muito nervosas". "Fizemos tudo para que elas não se apercebessem do que se está a passar. A mais nova está no infantário. A mais velha, que está também a frequentar o 4.º ano, é a que sente mais saudades da mãe", disse ao JN.
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