Casos de Sida cresceram 30 por cento nos últimos três anos
edição 1168 de 30-11-2006 Em três anos, o número de infectados com o vírus da Sida cresceu 30 por cento no distrito, sendo Portugal o País da Europa com maior taxa de prevalência da síndrome. Na passagem de mais um Dia Mundial da Sida, o vírus já fez em 2006, 2.9 milhões de vítimas no planeta. Neste cenário dramático, há um paradoxo. Um infectado com HIV, se tomar a medicação adequada, já é considerado um doente crónico
Os números referem-se a Setembro passado. No distrito de Leiria são 740 os casos diagnosticados de portadores do vírus HIV/SIDA. Mais 166 casos que em 2003, o que representa um crescimento de quase 30 por cento em três anos. Leiria, com 188 doentes, Peniche com 115 e Caldas da Rainha com 78 são os concelhos mais afectados do distrito. Só entre Janeiro a Setembro deste ano foram conhecidos mais 46. Uma média de cinco novos casos por mês. Ao contrário da tendência nacional, em que a maioria dos infectados são toxicodependentes, em Leiria o maior número de infecções dá-se por via sexual. Odete Mendes, responsável da Comissão Distrital da Luta Contra a Sida de Leiria, revela que estes números não reflectem a realidade. “São claramente superiores.” Não arrisca, contudo, avançar uma margem de erro. António Vieira, imunologista e director do serviço de Infecciologia do Hospital dos Covões, em Coimbra, considera Leiria uma área pouco afectada. Revela que Lisboa, Porto e Setúbal representam a maior fatia de infectados. O imunologista lembra, contudo, “que uma coisa é a residência oficial, outra o local onde o doente é seguido em consulta”. Para um universo de mais de 500 mil habitantes no distrito de Leiria, só em Caldas da Rainha existe um serviço de infecciologia. No hospital de Leiria não há. José Luís vive na Batalha há 12 anos. Homossexual assumido, foi lá que diz ter encontrado o parceiro da sua vida. Infectado há 15 anos, queixa-se de “ter que correr para o Porto”, de onde é natural, cada vez que necessita de fazer análises ou ser visto pela médica. “Felizmente que me deixam trazer medicação para três meses. Já não sei o que dizer à patroa para justificar tantas ausências”, desabafa. Aos 36 anos garante que se pudesse ser assistido em Leiria, a sua vida seria bastante mais fácil. O imunologista de Coimbra desvaloriza esta realidade. “Não há um número suficiente de doentes que justifique a criação de outro serviço no distrito”. António Vieira revela que muitos dos doentes assistidos nos serviços de Coimbra são oriundos de Leiria, “sobretudo dos concelhos junto ao litoral”. Prefere cuidados de saúde de qualidade e lembra que “até às Caldas da Rainha são 60 quilómetros”. Odete Mendes lembra que muitos dos infectados são pessoas de fracos recursos, e que deveria ser facilitada aos doentes a deslocação aos locais de consulta. A responsável sugere que as diversas instituições se coordenem de forma a programar deslocações em grupo. Porque a interrupção da terapêutica é grave e alguns doentes, sobretudo toxicodependentes, são negligentes e podem “falhar a supervisão”, há que criar respostas. Odete Mendes revela que a coordenação nacional das comissões de luta já está a avaliar, desde Março, as capacidades de resposta a nível distrital. Crónica de uma doença (in)curável Consumiu drogas injectáveis durante oito anos e esteve sempre consciente dos riscos que corria. Hoje, recuperado, admite que a degradação a que chegou o levou muita vezes à partilha de seringas e outros comportamentos de risco. “Cheguei a fazê-lo, mesmo sabendo que quem estava comigo era portador do vírus.” Nuno tem 29 anos e é seropositivo há sete. Não está zangado com a vida. “Cada um tem aquilo que merece”, desabafa. Com formação superior na área do Direito, Nuno conta que, como ele, “muitos outros adoptam esta postura”. As campanhas de sensibilização, que levavam técnicos a distribuir diariamente material esterilizado nos bairros onde comprava cocaína e heroína, passavam-lhe ao lado. “Antes de pensar nisso, tinha que primeiro que conseguir dinheiro para as minhas doses”, conta. Acompanhado num hospital em Coimbra e a viver em Pombal, toma oito medicamentos retrovirais por dia e está a fazer um tratamento para curar uma Hepatite C, doença de que também é portador. Nuno diz que a atenção à toma da medicação aliada a uma dieta rigorosa, a que está obrigado, são os “únicos contratempos” que a doença lhe trouxe. Nunca teve medo “de ir desta para melhor”. Morrer por opção O resultados das análises que faz de três em três meses “mostram que a terapêutica resulta.” Na última consulta em que esteve, conta que o médico lhe garantiu que “provavelmente nunca morreria de Sida” e que “para quem cumpre as orientações, já se podia considerar uma doença crónica”. Conta que tem amigos que se deixaram morrer por opção. “Meteram na cabeça que não havia nada a fazer e deixaram de tomar os comprimidos.” António Vieira defende que esta “já é uma doença que caminha para a cronicidade.” Cada caso é uma caso e, por isso, garantir uma estabilidade eterna a um doente infectado é, contudo, algo que não arrisca. O especialista explica que o investimento na área de investigação, realizado nos últimos 25 anos, “não tem paralelo” e que sobretudo, nos últimos dez, os novos medicamentos permitem “controlar a situação”, e que o infectado leve uma vida normal. António Vieira lembra que o maior problema que se apresenta aos médicos acontece quando um doente fica resistente ou intolerante à medicação administrada. Mas, mesmo nestes casos, já há “algumas alternativas de substituição”. O clínico diz que, com os avanços verificados, quem contrair hoje o vírus da imunodeficiência adquirida “pode perfeitamente viver mais 30 anos”. No entanto, alerta para as variáveis de uma reinfecção ou do aparecimento de novas estirpes do vírus. Cenário dramático em Portugal Portugal é o País da Europa dos 25 com maior taxa de prevalência de Sida. Desde 1983 até 30 de Junho deste ano estavam notificados 29.461 casos de infecção pelo HIV/SIDA, tendo sido declarados 1.173 novos doentes desde o início do ano. Mais de 6.500 pessoas já morreram devido a esta doença. O programa das Nações Unidas para a SIDA (Onusida) aponta para a existência de 32 mil indivíduos a viver actualmente com o vírus no País. O último relatório do Observatório Europeu da Droga coloca Portugal no topo dos países onde a infecção HIV se transmite mais entre toxicodependentes. Para António Vieira “a culpa morre solteira”. “Em Portugal temos a ideia de que isto são coisas que só acontecem aos outros”, explica. Quem vê caras não vê corações, e como pela aparência não se pode perceber se a pessoa é saudável, arrisca-se. Henrique Barros, coordenador nacional para a infecção VIH/SIDA, admitiu recentemente, à margem do congresso nacional sobre Sida, o falhanço do programa de prevenção e combate a este síndroma. António Vieira constata que as mensagens não estão a passar, mas garante, no entanto, que “não há hoje ninguém que possa dizer que há falta de informação”. Para o imunologista, modificar comportamentos é muito complicado e, portanto, há que apostar na prevenção junto das escolas para que mais tarde se possam obter resultados. Aliás, diz, os novos casos de infecção são sobretudo em indivíduos heterossexuais. “Uma evolução preocupante, pois ficamos com a noção de que já não são os grupos de risco que estão em causa”. O clínico diz que esta é a prova de que há “cada vez mais actividade sexual desprotegida”, o que obriga a repensar situações e redefinir alvos ao nível da prevenção. Mais de 70 por cento nunca fizeram o teste do HIV Realizado pela Marktest para a Coordenação Nacional para a Infecção HIV, um estudo sobre Sida em Portugal revela que 73 por cento dos adultos portugueses nunca realizaram o teste de despistagem à doença. Dos 27 por cento que o realizaram, 47 por cento dizem tê-lo feito por iniciativa própria e 40.9 por prescrição médica. Os homens são quem mais o fez: 57.8 contra 35.8 por cento. O clínico António Vieira inverte a tendência negativa destes números e considera positivo que 25 por cento já o tenham feito. Em jeito de conselho, adianta que grávidas e “todos aqueles que tiverem consciência de que já correram riscos” o devem fazer rapidamente junto do médico de família. Lembra que em Leiria existe, no Centro de Saúde Gorjão Henriques, um local onde se pode fazer o teste de forma gratuita e anónima. Com o avanço nas investigações, sobretudo nos últimos dez anos, e a aplicação das novas terapêuticas, já se pode considerar a Sida como uma doença crónica? Pode ser considerada uma doença de evolução crónica, naqueles indivíduos infectados com acesso à terapêutica, desde que cumpram, rigorosamente, o tratamento. A utilização de anti-retrovirais em combinação, a partir de 1996, tem permitido que os infectados alcancem supressão virológica completa e duradoura, com melhoria do seu estado imunológico, reduzindo, assim, substancialmente, o risco de doença e de morte. Existe esperança de vida para um seropositivo? Se tratado, a expectativa de vida sobrepõe-se à da população em geral, desde que se consiga uma supressão virológica completa e duradoura. Um estudo da Marktest revela que 70 por cento dos portugueses nunca fez um teste de despistagem de HIV e os últimos números oficiais dizem que existem cerca de 30 mil infectados em Portugal. Que percentagem de infectados desconhecidos poderão existir em Portugal? Infelizmente não existe informação fidedigna sobre o número de infectados. O número é calculado por extrapolação da informação que chega ao Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis. Todavia é bem conhecida a subnotificação dos casos identificados pelos clínicos e por outro lado, a informação que é recolhida reporta-se, apenas, aos infectados assintomáticos ou aos doentes em que, por qualquer razão, é detectada a seropositividade. Não existe um rastreio activo da seropositividade, nem tal seria possível, tendo em consideração que teria que ser estudada “toda” a população! Segundo o relatório ONU Sida, Portugal é o País da Europa dos 25 com maior taxa de prevalência de Sida e o número de casos tem aumentado de ano para ano. O que tem falhado neste processo? Têm falhado as campanhas de prevenção. A prevenção fundamenta-se na educação e na informação. Entre nós existe informação suficiente. Em Portugal quase todos sabem como prevenir as doenças sexualmente transmitidas, incluindo a SIDA, através da utilização de preservativos. Porque se recusam a utilizá-los nas relações sexuais ocasionais ou com prostitutas? Acredita que esta doença poderá ter cura? Nos dias de hoje a cura clínica é possível. A eliminação radical de VIH é mais problemática, dado que este vírus tem a particularidade de se integrar no genoma das próprias células do organismo, tornando, assim, difícil a sua erradicação. O recurso a novos tratamentos poderá dar no futuro a possibilidade de se alcançar a cura radical da infecção. Os números da Sida 2.9 milhões é o número de vítimas que a Sida fez em 2006 no planeta 29.461 é o número de casos conhecidos em Portugal desde 1983 73 por cento é o número de adultos portugueses que nunca realizaram um teste de despistagem à doença 6 é o número médio de medicamentos anti-retrovirais que um infectado toma por dia 740 é o número de doentes de Sida conhecidos no distrito de Leiria 6.500 é o número de mortes que a doença já provocou em Portugal 68 por cento é a taxa de crescimento de infecções em homossexuais em Portugal entre 2001 e 2005 1 é o número de serviços de infecciologia que existem no distrito de Leiria Ricardo Rosenheim Rodrigues
01 dezembro 2006
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